Escrito pela premiada autora Min Jin Lee, Pachinko conta a história de Sunja, uma imigrante coreana durante o começo do século 20 e suas futuras gerações. Em um desdobramento íntimo, intenso e cheio de dor, vemos de perto as dificuldades que os coreanos (nascido ou não no Japão) sofreram durante o período de guerra e, até mesmo, décadas após os conflitos.
Publicado pela Intrínseca em 2020, o livro ganhou uma adaptação neste ano pela AppleTV, caso você queira saber um pouco sobre ela acesse aqui. E por mais que tenhamos uns comparativos interessantes a se fazer entre a obra literária e sua adaptação em live action, vou me limitar a falar somente sobre o livro neste texto.
Como a sinopse oficial diz, o livro é realmente “um tributo aos sacrifícios, à ambição e à lealdade de milhares de estrangeiros desterrados“. E principalmente, um tributo aos “apátridas”, que ainda que tenham nascido em um país não são pertencentes a eles, muito menos ao país de seus antepassados. Vistos como estrangeiros em um e traidores em outros, a história de várias gerações se une na solidão de nunca se sentir realmente em casa.
O livro aborda em síntese 3 gerações, apesar de eu considerar 4, já que o começo vemos o desenrolar da breve história do pai da nossa protagonista, Sunja. O começo dos anos 1900, ambientado na colonização japonesa na Coreia, é retratado com muita dor e miséria, evidenciando a insegurança e a instabilidade de um país que foi feito de escravo em todas as anuências que a palavra carrega consigo. Logo em seguida, somos apresentados a realidade dos coreanos imigrantes no Japão, com a falta de oportunidades e a marginalização que sofrem dos nativos. E por fim, até o fim dos anos 80, é explorado o reflexo de todo racismo nos seus descendentes nascidos no Japão.
Foi interessante observar a história fluir em cenários distintos da mesma dor, inseridos em circunstâncias diferentes mas carregando o mesmo peso de serem rejeitados. A história acaba sendo uma experiência dolorosa, mas importante. Como acompanhamos uma família por mais de 60 anos se torna inevitável não se sentir próximo dos personagens, ainda mais com um desenvolvimento tão preciso e cuidadoso. Não há vilões (exceto por Hansu, ele é vilão sim) nessa história, há sobreviventes, pessoas tentando lutar para ter um dia digno, um após o outro. Carregando imperfeições, os personagens se tornam perfeitos para contar a história de milhões, com o peso de uma dor imensurável e a felicidade de conquistas comemoradas junto com o leitor.
Sunja é uma personagem inabalável e inesquecível, desenvolvida de forma crescente, conseguimos observa-la de menina se tornar uma mulher em tão pouco tempo. A personagem acaba sendo o elo que nos liga a todas as mulheres presentes na história, sua avó, sua mãe, sua cunhada e até mesmo as mulheres que vieram depois dela. Pachinko é a história da luta diária feminina, do seu poder, da sua resiliência e seu impacto no âmbito familiar. A personagem é a que mais faz falta na terceira geração, que é o único ponto fraco do livro.
Infelizmente, Pachinko perde a habilidade de criar personagens marcantes na última geração do livro. Exceto por Solomon, que é mediano comparado aos seus antecessores, os demais são esquecíveis e descartáveis na história, não causam a mesma comoção nem ligação do que vimos nas 300 páginas anteriores. O que causa uma leitura mais lenta e perde a fluidez que carregava na maior parte.
Ainda assim, a construção da narrativa na maior parte é algo que deve ser enaltecido. Transformar uma história tão densa em uma leitura fácil de ser absorvida e compreendida é algo primoroso. É comum uma história desse escalão cair em armadilhas monótonas, no entanto Pachinko se distancia disso, e cria um desenvolvimento que envolve, prende e impacta o leitor com reviravoltas e surpresas no decorrer de sua história.
Além da belíssima construção da narrativa, o maior brilho de Pachinko se dá através da ressignificação do local que deu nome ao livro. Na história é explicado que Pachinko são os famosos lugares de “jogos de azar” (aquelas máquinas, igual a pinball), que geralmente são a única opção de emprego aos coreanos. Logo, são mal vistos para com a sociedade, resumidos a marginais e sujos. Todavia, durante todo o livro, em suas ramificações, histórias paralelas dentro da família Baek, o lugar ganha o significado de refúgio, sucesso e esperança de um futuro melhor.
A família toma posse do que lhe condena a algo deplorável e transforma em algo ético, moral e motivo de orgulho. Principalmente nas mãos de Mozasu, Pachinko se torna um símbolo de superação. E, por mais que ainda gere preconceitos entre os japoneses, Pachinko é o que fez a diferença na vida dos coreanos, dando aquilo que o Japão sempre os negou: dignidade.
Em meio a perdas e dores, Pachinko se torna uma leitura necessária para a compreensão do que a falta de humanidade gera na vida diária das pessoas. Em uma época de opressão, a história não fica distante dos dias atuais. Infelizmente, até hoje, crimes de ódio, xenofobia, racismo e desigualdade social estão presentes em nossa sociedade. Uma obra literária indispensável, respeitando fatos históricos com precisão e tomando depoimentos reais, Min Jin Lee cria uma das melhores obras fictícias do gênero.
Nota: 4,7/5
Autor do Post:
Ludmilla Maia
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26 anos. Criadora e uma das fundadoras da Tribernna, escrevo pra internet desde 2016. Amo podcast como amo cultura asiática e heróis. Nas horas vagas, concurseira e bacharel em direito.
Um dia eu te conto o que significa o nome “Tribernna”.