Aclamado nos festivais internacionais de cinema e marcando a estreia de Lázaro Ramos na direção, Medida Provisória estreia em 14 de abril nos cinemas brasileiros. Com o protagonismo de Taís Araújo, Alfred Enoch e Seu Jorge o longa se passa em um futuro distópico, quando o governo brasileiro decreta uma medida provisória que obriga os cidadãos negros a migrarem para a África na intenção de retornar a suas origens.
Apesar de ser ambientado em um futuro distópico, a realidade dita em tela não é tão distante da essência da sociedade atual. Utilizando o racismo como o pilar do debate, a trama evidencia a distorção da idade da reparação social quando se é movida por entidades sem consciência de classe, muito menos racial.
Fica fácil fazer uma correlação com nossa realidade, principalmente, por causa de frases ditas ao longo do filme; como “não sou racista, tenho um amigo negro” ou “racismo não, para de mimimi“. Esses são os exemplos mais superficiais que podemos tirar do filme. Se observamos mais a fundo, enxergaremos um discurso eugenista, exterminador e cruel, que se fez presente no Brasil durante a sua colonização, escravidão e permanece até os dias de hoje.
A forma como o filme é conduzido crava uma direção firme e assertiva de Ramos, acompanhado de performances brilhantes, principalmente de Taís Araújo, que brilha em seus monólogos intensos e dá voz a uma dor de séculos. O destaque vai para a cena em que, dentro de um bunker, a atriz grita em plenos pulmões a exaustação de uma história de dor e repressão.
Vale enaltecer a construção da identidade visual da sua personagem, a médica Capitú, que se adapta, se adequa, as normas que vão contra a sua história, como por exemplo, no seu vestir e até mesmo na escolha de seus penteados. Ao fim, a liberdade se dá através de seu cabelo, livre como ela almeja ser. E o filme deixa essa mudança clara, verbalmente, no bunker, em discursos que não refletem somente a personagem, mas os personagens como um todo.
Ainda que Seu Jorge faça parte do alívio cômico do filme, ele não se torna algo perdido dentro de uma trama que promete ser mais tensa e dramática. Seus comentários são pertinentes aos acontecimentos, críveis e geram uma identificação com a revolta crescente dentro de si. Isso se estende aos demais personagens como Adriana Esteves e Renata Sorrah, que compõem o polo oposto, trazendo uma performance digna de repulsa, logo, um ótimo trabalho como atrizes.
A narrativa é criativa em realizar comparativos, na prática, com o passado escravista do Brasil e um futuro que promete repetir os mesmos erros. Não se limitando nos diálogos, a trama chega até ser elevada ao exagero (se olharmos uma visão mais cética diante do racismo), no entanto o filme não se torna caricato, porque sua base, seu pilar, é uma dor existente.
A parte visual de Medida Provisória é eficiente, ditando sentimentos como desespero, claustrofobia e até uma esperança nas cenas finais, essa ferramenta ganha uma potência maior quando é acompanhado pela trilha sonora brilhante.
Medida Provisória se encerra com “O Que Se Cala” da lendária Elza Soares, destacando as cicatrizes e evidenciando o poder da revolução que se dá pela união de uma comunidade. Esse foi, definitivamente, a forma perfeita de fechar com chave de ouro um filme que é difícil de ser assistido, porque machuca, choca, assusta… E é por isso que eu aplaudo e exalto o trabalho dos envolvidos, porque se esse sentimento foi absorvido pela audiência, então seu trabalho foi realizado com excelência.
Nota: 4/5
Autor do Post:
Ludmilla Maia
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26 anos. Criadora e uma das fundadoras da Tribernna, escrevo pra internet desde 2016. Amo podcast como amo cultura asiática e heróis. Nas horas vagas, concurseira e bacharel em direito.
Um dia eu te conto o que significa o nome “Tribernna”.