CRÍTICA | O Beco do Pesadelo veste um roteiro exageradamente largo

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O Oscar 2022 trouxe surpresa para muitos, raiva para alguns e esnobação para outros. Como visto nas últimas edições da premiação do dourado reluzente, a academia parece sempre ater seus olhos aos alvos mais familiares, seja por associar seus preferidos à qualidade atestada por anos passados, seja por escolher não olhar para novos talentos. O Beco do Pesadelo, última obra do mexicano queridinho pelos amantes de contos góticos, parece encaixar-se no primeiro caso. E por isso a obra concorre a quatro categorias na premiação, sendo uma delas a principal da noite. Mas será mesmo que o filme merece seu lugar aqui?

Adaptando a história do livro homônimo de 1946, a história se passa no final da década de 1930, quando o misterioso vigarista Stanton Carlisle (Bradley Cooper) ingressa em um carnival de segunda categoria. Lá, ele se une à falsa clarividente Zeena (Toni Collette), à performista Molly (Rooney Mara) e à ameaçadora psiquiatra Lilith Ritter (Cate Blanchett) na tentativa de ganhar fama e fortuna às custas de clientes em busca do sobrenatural. Ambos a obra original e seu reconto moderno são um estudo sobre as camadas mais maquiavélicas (e por que não macabras?) do showbiz e seus artistas desprezíveis.

Como visto, o elenco está cheio de estrelas. Bradley Cooper fornece uma interpretação suave e delicada. Uma escolha corajosa já que ele contracena com tantos atores dominantes na tela. Os trejeitos do ator são comedidos e minunciam a lenta escalada de seu personagem à loucura com veemência. Porém, seu personagem egocêntrico, embora no meio da trama, perde o holofote para aqueles que o orbitam. Toni Collette e Willem Dafoe são os primeiros exemplos: Collette se sobressai não importa qual seja o momento; quando ela está na tela, apenas ela parece estar na tela. Já Dafoe demonstra aquela sua aura assustadora e característica, que se intensifica sob a redoma sombria de Del Toro.

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Complementando, Cate Blanchett constrói a personagem mais emblemática em O Beco do Pesadelo. Uma vez que ela entra em cena, a atriz preenche a tela. Não há outra direção para olhar se não para ela. Isso é um gravíssimo defeito quando pesamos o impacto de cada peça na paisagem. O ator principal não deve desaparecer na sombra de um figurante, pelo menos não por quase 2 horas e meia. A seleção de atores foi excelente, mas talvez tenha sido excelente demais. Cooper possui um talento nato como o visto em Nasce uma Estrela (2018), então só me resta crer que o roteiro e a direção, por mais espaço que tenham dado ao ator, não o iluminaram, mas deixaram um ponto central (no meio de tantas luzes) no escuro.

E por falar no esqueleto do filme, vamos a ele. A direção de Guillermo Del Toro caracteriza um refinamento sutil a cada nova história que ele administra. É uma experiência interessante ver os primeiros trabalhos do cineasta, como O Labirinto do Fauno (2006) e O Orfanato (2007), num contraste com suas obras mais recentes. O diretor abandonou de vez a crueza (próxima à inexperiência) observada nas obras citadas e a trocou por um estilo bem mais americanizado de contar histórias. Não é necessariamente algo ruim, mas deixou este jovem redator triste pela perda de sua identidade visual e narrativa.

A atmosfera criada na película em questão é mágica e sombria, como uma mistura peculiar entre AHS: Freak Show e Tim Burton, mas sem os exageros de ambos. No primeiro ato há mais mágica do que terror no ar, o que se inverte vagarosamente enquanto caminha para o último ato. A escrita, assinada também por Del Toro, também dispensa exageros. “Sutileza” talvez seja a palavra que mais a defina. Ao longo das duas horas e vinte minutos de filme, a narrativa se esquiva de exageros e convenções comuns e pontua milimetricamente suas cenas de gore. Cenas essas que se destacam por serem a interrupção abrupta naquela calmaria infindável e por serem feitas completamente com efeitos práticos, truques de câmera e habilidades corporais. É repugnante (eu amo).

Contudo, se a sutileza é seu maior trunfo, seu tamanho é o seu queda. Trata-se de uma jornada excessivamente longa que parece ter o único objetivo de transformar a clássica jornada do herói à vilania em algo cult. O segundo ato de O Beco do Pesadelo tem mais de uma hora de duração, e é exatamente nele que o poder narrativo desliza: o ato demora demais a entregar aquilo que o expectador sabe que está vindo e perde parte do brilho por já ter perdido o momento. Já a direção peca, ironicamente, no mesmo quesito; às vezes exagera demais no mistério e escorrega para o lugar de onde a sutileza tenta tirar o filme: para a caricatura.

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Há ainda outros pequenos tropeços como erros de continuidade crassos e o não estabelecimento de habilidades prévias (como a cena do polígrafo) que se perdem numa história tão grande. E assim resume-se o maior erro de Del Toro: não saber aproveitar o tempo que tem, alargando uma história que não consegue vestir um roteiro tão folgado.

Sobre minha interpretação, trata-se de a história contada a eras sobre como a vida é capaz de unir as duas pontas do início e do fim, gerando uma das formas do ciclo da vida. E é ela o tema central aqui. A cena na qual Stanton pergunta “O que aconteceu?” e Zeena responde “A vida. A vida me aconteceu.” é a representação disso: o destino ou nossas escolhas (como você preferir) é capaz de destruir e transformar todas as pessoas em coisas novas. Não importa o quão bonito sejamos ou quão claras são as casas que nascemos: todos podemos um dia parar em becos escuros.

Além de concorrer ao Oscar de Melhor Filme, O Beco do Pesadelo concorre em três categorias técnicas: Melhor Fotografia, Melhor Direção de Arte e Melhor Figurino. Ambas as três merecidas. A caracterização dos cenários e das personagens é de um realismo mágico. Aliadas a elas, efeitos especiais pontuais completam o espetáculo visual junto da fotografia diegética e estonteante. É um filme literalmente lindo. E a sonoplastia é uma massagem maravilhosa para os ouvidos: façam-se o favor assisti-lo com fones de ouvido.

O filme está disponível na plataforma do Star+.

Nota: 3,8/5,0

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Autor do Post:

Matã Marcílio

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Um pré-fisioterapeuta nordestino que, perdido no mar das incertezas, fez das palavras seu refúgio. Um pouquinho mais de duas décadas de leitura e sedentarismo causado pelo prazer de deitar em frente a um espelho negro e observar toda a glória do homo sapiens ao escapar da realidade terrivelmente entediante. “Jojo Betzler. Hoje, só faça o que puder.”

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