“O que terá acontecido a Baby Jane?“, o clássico do cinema estrelado por Bette Davis e Joan Crawford, adaptado do livro de mesmo nome escrito por Henry Farrell, traz a história de duas senhoras que já beberam da fonte da fama décadas atrás e que agora estão esquecidas, isoladas e atormentadas pelos erros do passado.
O longa carrega consigo uma história intensa, trágica e com um sub texto bem crítico, principalmente em relação ao envelhecimento da mulher no meio do show business. E, imagino eu, que deve ser exatamente por isso que as duas grandes rivais do cinema preto e branco, Davis e Crawford, tenham se unido para dar vida a essa clássico do terror, visto que ambas poderiam de algum modo mais íntimo se identificar com a história.
Apesar da trama principal seguir Baby Jane (Davis), uma mulher de meia idade que recusa aceitar o fato de que não está mais vivendo o estrelato de sua infância, o filme vai um pouco mais além do que isso. Apostando em desenvolver com cautela o relacionamento conturbado e doentio entre as irmãs, o longa explora o definhar da sanidade de Baby Jane através dos maus tratos e torturas psicológicas com Blanche Hudson (Crawford), o lembrete diário da sua crueldade e fracasso nas telonas.
A rivalidade das irmãs é, em sua grande parte, vista de modo unilateral, partindo de Jane que desconta sua frustração completamente nela, até mesmo a restringindo de cuidados básicos. No entanto, ao fim “O que terá acontecido a Baby Jane?” surpreende ao mostrar que nunca foi unilateral, Jane tinha seu estrelato mas era ofuscado pela sua própria personalidade explosiva, tal personalidade que era motivo de inveja a sua irmã e… o resto é história! O roteiro é grandioso quando encerra esse ciclo doentio com uma das frases mais icônicas do cinema: “Então quer dizer que podíamos ter sido amigas, esse tempo todo?”, podendo ser aplicado inclusive na vida real das atrizes, que como as personagens, compartilhavam de dores similares, causadas pelo ramo em que trabalhavam, e, principalmente, pela sua vida pessoal, turbulenta e incomum.
Quando observamos o enredo do filme, e aqueles sub textos que eu citei acima, fica claro que o longa também aborda o tratamento da mídia (e do público) com mulheres-atrizes mais velhas, as forçando viver um eterno flashback de suas próprias carreiras, revivendo momentos de glória que nunca mais voltarão, já que com o tempo a solidão as consome, os convites param de surgir e tudo que as restam é a memória.
Uma das coisas que eu mais gostei em “O que terá acontecido a Baby Jane?” foi o olhar mais singelo do diretor em nos dar pequenas pistas do que estava por vir, sem revelar o plot twist final do longa, em cortes e focos de câmera, o diretor Robert Aldrich usa metalinguagem em mostrar certos objetos ou cenários que a primeira vista são mero enfeite de tela, mas se você prestar atenção simbolizam a trajetória do personagem que está por vir, como por exemplo, na cena do acidente de carro o que vemos é a boneca de baby Jane quebrada, sua cabeça quebrada.
Talvez o único defeito do filme seja a necessidade que ele tem de reforçar a insanidade de Jane, apesar de ser a causa de um dos melhores trabalhos de Bette Davis, o qual garantiu uma indicação ao Oscar, fica um pouco cansativo em determinado momento vermos o tratamento ser enfatizado a cada cena de maus tratos. A trama nos mostra ao fim que o acidente de carro mudou Jane para sempre, fazendo com que ela se definhasse aos poucos até o seu delírio completo, no entanto, o filme parece enfatizar que algum gatilho a fez com que ela ficasse pior só naquele momento de sua vida, sendo mais agressiva e mais cruel. Por um lado parece preguiça de revisão de roteiro, por outro lado apenas um motivo para endeusar a atuação brilhante de Davis por mais um tempinho extra.
Joan Crawford não fica para trás, seu desempenho é digno de uma lady do cinema, sem perder o brilho de musa, a atriz consegue dar vida a uma mulher cheia de segredos e remorsos, e ao fim, entregando a atuação de sua vida, com todo calor da emoção Crawford prova mais uma vez que sua idade não a impediu de ainda ser um ícone do cinema.
“O que terá acontecido a Baby Jane?” não é um filme que irá te dar medo ou susto, mas ele definitivamente irá te amedrontar. Ele amedronta com o pior cenário de um futuro distante, com auxilio de um elenco exímio, o longa se destaca por ser audacioso, corajoso e apostar em uma rivalidade que foi definitivamente um ótimo marketing para o filme (até hoje!), porém, definitivamente, contribuiu para uma percepção diferente sobre a vida das suas colegas de profissão que eram mais similares do que queriam admitir.
O longa está disponível na HBO MAX, e se você quer saber um pouco das fofocas de bastidores assista Feud, série do Star+ que explora a relação das atrizes enquanto gravavam esse longa.
Nota: 4,7/5
Autor do Post:
Ludmilla Maia
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25 anos. Criadora e uma das fundadoras da Tribernna, escrevo pra internet desde 2016. Amo podcast como amo cultura asiática e heróis. Nas horas vagas, concurseira e bacharel em direito.
Um dia eu te conto o que significa o nome “Tribernna”.