Após 18 anos do fim de uma franquia que moldou uma geração, Neo e Trinity estão de volta para lidar novamente com o choque entre a realidade e fantasia em Matrix Resurrections.
Com o retorno de Lana Wachowski na direção, o quarto filme de Matrix é uma continuação direta que traz à luz da trama um Neo mais velho, 20 anos após os acontecimentos do terceiro filme, vivendo em uma realidade em que a pílula azul o domina, atormentado por alucinações que julga ser apenas delírios de uma mente criativa e inteiramente absorto pela Matrix.
Logo de início a proposta do filme soa inteiramente interessante, explorando a mente de uma forma mais real (quer dizer, próximo a nossa realidade), a narrativa segue um caminho mais pé no chão que os filmes anteriores. Agora, lidando com um Neo que se recusa a acreditar que o que viveu é verdade, o filme brinca com o espectador que teme que o “Escolhido” jamais retorne à sanidade.
A primeira parte do filme, ainda que tenha escassez de cenas de ação (se compararmos com o restante do filme) consegue com esplendor inserir uma nova perspectiva a franquia. Com adendo de um humor que agrada aos fãs, cheios de referências à franquia, além de alfinetadas à própria Warner, a trama brinca com o terror de reviver franquias, o caos criativo que é para os envolvidos, como uma piada interna aos envolvidos na produção, garantindo boas risadas sem soar estranho ou forçado. O desenvolvimento do longa se afasta disso e retoma com a ficção científica característica de Matrix, com a introdução de uma nova sociedade e sobreviventes o filme acaba se tornando um grande epílogo do que foi Matrix um dia.
Keanu Reeves se afasta do protagonista destemido, confiante e audacioso e nos apresenta uma versão esquisita, reclusa e frágil. A quebra de personagem é uma surpresa boa, tira o personagem do pedestal dando abertura a um novo horizonte de possibilidades, até mesmo com a introdução da história de Trinity e seu papel decisivo na trama. Carrie Anne-Moss retorna como se nenhum dia tivesse passado, confortável em seu papel como Trinity, a atriz exala a girl boss que sua personagem sempre carregou, só que agora sendo mais relevante ainda a trama causando efeitos decisivos para o destino dos dois protagonistas. A dinâmica entre os dois evolui para algo mais intenso, dando uma carinha de “o amor vence” a história.
Algo interessante que o filme se propôs a trazer foi a inclusão de um novo time composto por pessoas que foram afetadas pelos feitos da dupla de protagonistas, seja indiretamente ou diretamente. Composto por fanboys e admiradores, a nova equipe não vem pra substituir a antecessora, pelo contrário, o clássico grupo é lembrado e enaltecido seja pela narrativa ou na história de alguns personagens. A grande surpresa foi Morpheus, tanto o destino do antigo quanto do novo, interpretado por Yahya Abdul-Mateen II. Irei me restringir neste quesito pois acredito que é um grande spoiler aos amantes da franquia, mas deixo frisado aqui que além de ser uma bela homenagem ao seu legado, o novo Morpheus cumpre o papel do seu antecessor, ajudar Neo a evoluir e encontrar a versão mais aprimorada de si mesmo, através de nostalgia e ótimas cenas de lutas e uma pitada de carisma e bom humor.
O filme honra a fotografia e os efeitos visuais do clássico, com o avanço da tecnologia as cenas que requerem a computação gráfica parecem mais naturais e fluidas, ajudando na imersão do filme. No entanto, em certas cenas a trama se preocupa muito em efeitos característicos de Matrix que extrapola, causando uma overdose de efeitos sem sentidos em uma cena de ação sem rumo.
O retorno de personagens clássicos causam uma surpresa deliciosa, bem como as referências claras a cenas e lugares pertencentes aos filmes anteriores. O próprio começo do filme que bebe da nostalgia nós faz lembrar de como tudo começou e prepara o espectador para uma jornada que honra o clássico. Ainda assim Matrix Resurrections não é um filme difícil de ser assistido para quem nunca viu Matrix ou apenas não se lembra do filme em si, até porque a todo momento em que referências eram ditas, há um flash de cenas que explicam em questões de segundos do que eles estão falando. E ao mesmo tempo que é fácil de digerir não é massante aos que já sabem da história, acaba se tornando uma ferramenta saudosista que funciona.
A nostalgia é trabalhada junto com o novo enredo, sem se apoiar totalmente à ela o filme cria uma narrativa onde a sua função é resgatar a essência de Matrix, o seu propósito, a sua mensagem e toda dinâmica que gira em torno dela. Dando uma nova cara para a atual geração, Matrix Resurrections tem uma trama mais fácil de ser compreendida, mais “mastigado”, sem explorar muito o papel das máquinas e focando mais na vivência dos “desplugados” e a esperança de viver um futuro sem guerra. O que a distingue dos demais é a aprimoração da visão dos sobreviventes, que usufruem de uma realidade sem máquina vs humanos, novamente, nos dando uma nova perspectiva da história e um novo rumo aos personagens e seus propósitos ali.
A história de Matrix Resurrections brinca muito com algo que a franquia já trouxe: a escolha, ou a falsa ilusão dela. A todo momento surge escolhas na vida de Neo, até que sua escolha acaba gerando algo que ele não tem controle, trazendo uma visão em que ele não escreve seu destino (por mais previsível que possa ser), as escolhas não estão mais em suas mãos, e, ao fim, as escolhas são as grandes protagonistas já que quebram a ilusão dela não existir e pela primeira vez fornecem isso a quem precisa. Além disso, toda construção dos comprimidos azuis e vermelhos voltam à tona, com debates abstratos sobre o seu real significado, e por mais que na história seja inserido um psiquiatra, a invalidação de remédios não pode ser aplicada nesse caso quando para se livrar de uma é necessário utilizar a outra, azul e vermelho não podem coexistir, mas não há alternativa a não ser tomar uma das duas.
O que deixa confuso é a real intenção do filme, ao mesmo tempo em que ele quer fazer uma homenagem e encerrar de vez a história, a todo momento o filme parece uma história de origem, carregando quase o mesmo molde do seu primogênito. A busca ácida de se libertar da Matrix, de retomar a realidade da pílula vermelha e libertar os que assim desejam, sem uma conclusão concreta. O encerramento é o mais anticlimático possível, após uma cena de ação um tanto quanto conturbada, o filme destoa de tudo que construiu e nos entrega uma cena que nos parece aleatória e sem cara de uma conclusão de fato. Ao tempo em que eles querem dizer a mensagem final do filme, o que eles irão fazer com a Matrix, os personagens decidem jogar fora o poder dos fortes monólogos que o filme entregou ao longo de sua duração e apenas entregam… superficialidade e um diálogo simplesmente bobo. Não me levem a mal, a intenção foi boa, o novo sentido que eles desejam fornecer, porém executado de uma forma precária e, sinceramente, porca.
Igualmente executado de maneira insatisfatória nós temos o vilão principal do filme (vou me abster de dizer quem, pois por mais previsível que seja ao assistir o filme ainda pode ser uma surpresa para quem assistir). Inserido com uma carga dramática intensa e uma dimensão imensurável de poder, sua conclusão é péssima, sendo incompatível com tudo que foi apresentado e causando uma estranheza ao fim.
Por fim, posso dizer que Matrix Resurrections é um bom divertimento, capaz de resgatar os fãs um sentimento bom ao presenciar novamente uma história cheia de metáforas com um desenvolvimento agradável, matando saudade de personagens imortais através de uma história que tem a intenção de encerrar de vez a franquia, em uma despedida com final agridoce e mal planejado.
Nota: 4,2/5
Autor do Post:
Ludmilla Maia
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25 anos. Criadora e uma das fundadoras da Tribernna, escrevo pra internet desde 2016. Amo podcast como amo cultura asiática e heróis. Nas horas vagas, concurseira e bacharel em direito.
Um dia eu te conto o que significa o nome “Tribernna”.