CRÍTICA | ‘Bela Vingança’: um thriller que entrega tudo e ainda mais

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‘Bela Vingança‘ narra a história de vida de Cassie, em que nada é o que parece ser. “Ela é perversamente inteligente, tentadoramente astuta e ainda vive uma vida dupla secreta à noite”. Porém, quando em um encontro inesperado alguém do seu passado reaparece para dar a Cassie a chance de recomeçar, novas e inesperadas consequências acontecem. Lançado este mês no Brasil, o longa está concorrendo ao Oscar 2021 nas categorias ‘Melhor Filme‘, ‘Melhor Atriz‘, ‘Melhor Diretor‘, ‘Melhor Roteiro Original‘ e ‘Melhor Montagem‘.

O design do longa (inclusive gráfico, nos ‘créditos’ iniciais) é o primeiro acerto. Com cores fortes, colorido, e uma trilha sonora bem pop, o trabalho logo dá indícios do que é: um filme bastante ousado, mas ao mesmo tempo bem menos disposto a assumir certos status de longas que tentam nascer já emulando um lugar ao lado de grandiosos clássicos cult. Pelo contrário, o filme mais parece, pela estética, um ótimo produto para se assistir numa ‘Tela Quente‘.

Aí é que se dá umas das dicotomias interessantes em ‘Bela Vingança’: ao passo em que o longa recebe uma embalagem, o conteúdo é quase seu extremo oposto. Focado em um tema tão complexo e pesado, o estupro, o longa debate de forma bastante direta, mas meio irônica, debochada, o machismo. É meio comédia, é selvagem, é perturbador, ousado, inteligente e instigante, por mais que algumas dessas palavras pareçam se contradizer.

A cada minuto são jogados na sua cara através da vida da protagonista Cassie, vivida por Carey Mulligan, clichês e mais clichês que toda mulher certamente vive. São clássicos da cultura do patriarcado, como a pressão pelo casamento, por filhos e o tão aguardado momento em que as filhas deixam a casa dos pais para viver suas vidas. Tudo, lógico, dentro de uma idade ideal também estabelecida socialmente (sempre antes dos 30). Desse ponto de vista, o longa pode inclusive lembrar o excelente ‘Jovens Adultos‘, de 2011, com Charlize Theron, ao trazer questões sobre idade e expectativas entrelaçadas ao gênero.

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A excepcional Carey Mulligan consegue preencher sua personagem com todos os elementos de que ela precisa. “Anti-heroína”, Cassie pode soar às vezes desinteressante, chata, rabugenta, mas também na medida em que a conhecemos vamos descobrindo suas vulnerabilidades e sua jornada. Resto do elenco igualmente competente, embora Mulligan carregue ‘Bela Vingança‘ nas costas.

A forma como o roteiro se desenvolve é um deleite. Com pitadas de suspense, drama, a trama é um thriller de encher os olhos e parar os corações ansiosos e nervosos, ao passo em que continua criando sua atmosfera própria. Os plot twists e a forma como o enredo vai se desenvolvendo são fantásticos, um excelente trabalho que instiga e prende a atenção do espectador que aguarda sem saber o que esperar, mas com a sensação de que será surpreendido. E o melhor de ‘Bela Vingança‘ é que sim, ele é surpreendido (até com perdões em meio às vinganças).

Dividido em partes atribuídas a cada pessoa na mira de Cassie, a narrativa funciona bem e flui perfeitamente, desnudando a verdade por trás do que de fato aconteceu com a protagonista e revelando os passos de sua vingança “tragicômica”. Além disso, marcado por contrastes, ‘Bela Vingança‘ é um prato cheio para quem gosta da temática vingativa (pode até lembrar a série já clássica ‘Revenge‘).

O último ato inacreditável e chocante do filme mostra como tantas violências são naturalizadas e há uma certa angústia, um certo enjoo causado pela forma como a narrativa chega até a sua conclusão. É uma viagem colorida para que você conheça a podridão que é o mundo: parece óbvio o desfecho, mas engenhosamente a narrativa te faz acreditar que tudo pode ser diferente, te alimentando com pequenos pedaços de esperança somente para que o final te abocanhe e você seja obrigado a pensar sobre tudo o que foi posto em tela e tudo o que isso significa. Fique inconformado mesmo: esse é um retrato perfeito do mundo cruel em que estamos vivendo que sempre dá um jeito de parecer mais colorido, mais engraçado, otimista, feliz, do que realmente é, principalmente para as vítimas de tantas e constantes violências, mesmo que simbólicas.

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Apesar disto, o elemento ficcional entra em cena e os últimos minutos são menos tristes do que parecem, e menos desesperançosos do que esperávamos. É agridoce: não responde todas as perguntas, mas finaliza tudo e Cassie quase sorri e pisca o olho para o espectador através de mensagens de texto.

Carregado de cenas e sentimentos fortes, ‘Bela Vingança‘ é uma grata surpresa. Mesmo quando o clichê acontece ou algo esperado, a trama dá um jeito de te surpreender a partir deste ponto. É impecável. A diretora Emerald Fennell, que já havia participado de alguns episódios de ‘Killing Eve‘ (e o filme lembra muito a série em diversos aspectos!), embora construa uma vingança menos violenta que outras, entrega tudo e ainda mais porque seu longa tem substância, drama, profundidade. Tem até elementos de filme teen, mas apenas para destruí-los sem pena e mostrar a decepção que é o tipo de relacionamento que tanto expõem como ideal em filmes de comédia romântica, por exemplo, com amores idealizados demais que romantizam tudo, são impossíveis e em grande parte abusivos e mentirosos.

‘Bela Vingança‘ demonstra também didaticamente o quanto a cultura do “ela disse, ele disse” é machista e misógina e o quanto a ideia de que mulheres bêbadas não possuem senso ou “podem ser violentadas” é inacreditavelmente aceita em sociedade e ninguém faz nada. É um filme que pode carregar gatilhos, cuidado! Mas é uma espécie de “sátira” de filmes do gênero, da sociedade, de tudo. É definitivamente complexo e dos extremos.

Nota: 4,75/5

Autor do Post:

Paulo Rossi

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Um sonhador. Às vezes idealista, geralmente pessimista e sempre por aí metido num bocado de coisas. Apaixonado por audiovisual, cearense com baita orgulho e um questionador nato com vontade de gritar ao mundo tudo que acredita.

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