“Areia Movediça” é ótimo, mas inconstante

Areia Movedica 'e 'otimo, mas inconstante photo 0 3T INDICA
Siga e Compartilhe:

Faz uma hora que eu terminei de ler “Areia Movediça”, da sueca Malin Persson Giolito, publicado no Brasil pela Intrínseca, e ainda não sei definir exatamente o que sinto em relação à obra. De antemão eu já deixo claro duas coisas: não é uma obra agradável de ser lida e eu teria abandonado a leitura antes da página 100 se eu não quisesse tanto ver a série da Netflix.

O livro começa com uma sala de aula com pessoas baleadas, onde todos os presentes foram atingidos, menos Maja, a protagonista, que diz não ter sofrido nenhum arranhão. Ao longo da história, vemos Maja, de 18 anos, presa por nove meses, enquanto esperava o julgamento pelo ocorrido. A obra vai intercalando os momentos do passado, que antecedem os tiros disparados na sala de aula, partes na prisão feminina, partes no julgamento e o momento do ocorrido que a levou à prisão. Afinal, culpada ou inocente?

Eu passei, pelo menos, três dias tentando “entrar” neste livro. A obra conta com cerca de 350 páginas, mas eu só consegui me ver por dentro da história após umas 100 páginas – basicamente eu demorei três dias para alcançar a página 100 e outros dois para finalizar o livro. Isso dificultou muito a minha experiência inicial. A história estava chata, maçante, parecia que não saía do lugar. Sabem quando vemos um cachorro dando a volta atrás do próprio rabo? Foi mais ou menos assim que eu me senti lendo, mas sem a parte divertida.

No entanto, quando eu consegui entrar na história, poucos momentos foram os que saí dela, mais por causa da confusão de sentimentos da protagonista/narradora do que pela forma que a história estava sendo contada. Infelizmente, é uma escrita cansativa e, por vezes, entediante, mesmo sendo contada de uma forma não-linear, com idas e vindas do presente para o passado. Você realmente precisa insistir para continuar na obra – mesmo que a sua curiosidade também o mantenha na história.

READ  FILMES | James Gunn quase dirigiu Homem de Aço 2

Por outro lado, o ponto alto da escrita é fazer com que o leitor se sinta desconfortável em determinados momentos. À medida que o livro vai se aproximando do fim, o mal-estar se instala permanentemente, o estômago embrulha, tudo vai ficando melhor e mais difícil de ser lido. E o mérito é, basicamente, todo da protagonista e da autora, que realmente confronta o leitor, sem pudor. Isso é uma das coisas mais interessantes – o que resultou em diferentes marcações/sentenças grifadas no meu livro.

Em termos de personagens, eu não me apeguei a nenhum em todo o livro. Nem mesmo a protagonista, de quem me aproximei em alguns momentos. Achei todos eles chatos, o que, para mim, os tornou mais humanos e palpáveis. Tornou a experiência de leitura mais real. Já estou meio cansado de personagens perfeitamente bons ou perfeitamente maus. Como bem foi dito em determinado momento – e eu vou cortá-lo um pouco para não ser spoiler:

Não foi minha culpa. Eu sou inocente. Ou foi minha culpa. Eu sou culpada”, disse Maja, a protagonista, em determinado momento.

E, querendo ou não, essa frase, principalmente por ter sido dita/pensada em um tribunal, me lembrou uma sentença de Friedrich Nietzsche (sim, eu copiei o nome dele, pois já desisti de tentar escrever certo): “Não há fatos, apenas interpretações” – e acho que isso resume boa parte do que acontece em toda a obra, principalmente no que diz respeito ao julgamento.

Um dos principais temas do livro são os relacionamentos abusivos. Tanto em termos de amizade quanto em questões familiares e amorosas – o que mais se destaca, principalmente por ser o que dita o ritmo da obra. Porém, se isso chama a atenção pela obviedade, assim como o também conflituoso e doentio relacionamento entre os Fagerman, peço que também se atentem a todo o entorno que fazem com que a protagonista Maja parta diretamente, sem retorno, para a autoculpabilização em diferentes situações.

READ  SÉRIES | Assista ao trailer de “The Chestnut Man”, nova série de investigação criminal da Netflix

Me atendo ao tema relacionamento abusivo, eu gostei muito de uma passagem da obra, que deixarei abaixo, justamente sobre a relação de Maja e Sebastian. Mais uma vez, farei cortes para não dar spoiler a ninguém. 

“[…] Foi doce no início, mas depois foi como açúcar de confeiteiro derretendo na língua, ficou preso ao palato, encheu a boca de bílis amarga e eu vomitei […]”.

E eu poderia destacar diferentes outros momentos de todo o livro, fora relacionamento abusivo, que eu achei definitivamente interessante. Por exemplo, como a hipocrisia da sociedade é tratada, racismo, preconceito com imigrantes e questões econômicas.

Como o livro é narrado em primeira pessoa, a hipocrisia se torna tema em diferentes momentos em que Maja, a protagonista, confronta o leitor, meio que o desafiando. Há partes em que esse diálogo é mais direto, enquanto em outras é feita mais em pensamento. Para não colocar um parágrafo enorme e inteiro, que foi um dos momentos que eu mais gostei, vou pegar uma outra parte pequena, que também resume bem como Maja foi julgada pela sociedade antes do julgamento judiciário.

“[…] As pessoas não estão interessadas no que as outras dizem ou pensam, pelo que elas passaram e a quais conclusões chegaram. As pessoas estão interessadas em ouvir apenas o que acham que já sabem”. 

Já em termos de racismo e preconceito com imigrantes, os principais protagonistas são Dennis, de Uganda, e Samir que, salvo engano, é de uma família iraniana. E é interessante o contraponto que é feito entre os dois personagens. Enquanto Dennis não é querido e convive em um ambiente questionável, Samir é inteligente, um dos melhores da turma, e querido pelos amigos – menos por Sebastian. 

READ  CRÍTICA | “Rua do Medo: 1978 – Parte 2”, a continuação maravilhosa da trilogia

Em questões econômicas, eu não vou me estender para não entrar em um viés político e nem correr o risco de falar coisas rasas. Porém, destaco um rápido debate envolvendo uma economista, o multibilionário Sebastian e o humilde Samir. Neste momento, o debate sobre a imigração e as questões econômicas se encontram, afinal, como deixado claro naquele momento, os imigrantes são “usados” como bodes expiatórios para o que realmente pode vir a ser o problema econômico, neste caso, da Suécia.

“Areia Movediça” é um livro interessante. Após escrever tudo isso, chego à conclusão que eu realmente gostei da obra. A achei cansativa? Sim. Achei que poderia ser menor? Sim. Teria desistido da leitura se não quisesse assistir a série da Netlix? Sim. No entanto, valeu a pena insistir e chegar até o fim deste ótimo livro.

Autor do Post:

Henrique Schmidt

O louco dos livros, filmes, séries e animes. Talvez geek, talvez nerd, talvez preguiçoso, mas com certeza jornalista

Rate article
Tribernna