The Leftovers foi um dois maiores sucessos de crítica da HBO, mas que infelizmente nunca teve um reconhecimento a altura. A série que com três excepcionais temporadas nunca levou nem um Emmy ou um Globo de ouro para casa, é uma das provas de como as premiações as vezes podem ser injustas demais.
A criação de Damon Lindelof, já famoso em criação de alegorias e metáforas desde Lost, é uma das séries mais lindas e bem produzidas que vamos encontrar olhando tudo o que foi produzido na última década. Seja analisando o roteiro, a trilha sonora, a montagem da série ou a excepcional atuação dos atores, destaque aqui para Justin Theroux (Kevin Garvey) Carrie Coon (Nora Durst) e Christopher Eccleston (Matt Jamison), é nítido que estamos diante de um tesouro da dramaturgia.
Nos primeiros minutos de série nos deparamos com um fato, 2% da população mundial acabou de desaparecer bem na nossa frente. Crianças, mulheres, homens, negros, brancos e até fetos. Ninguém estava isento de partir e nem parece existir um critério de escolha. De maneira aleatória no dia 14 de outubro essas pessoas partiram e precisamos lidar com quem ficou e com as perguntas que aqui ficaram. Para onde eles foram? Porque eles? O que aconteceu? A cada episódio novas perguntas aparecem e mais dúvidas ficam no ar e ainda assim seguimos acompanhando. Até percebermos que não estamos mais buscando respostas, só queremos saber o desfecho.
Leftovers e toda a sua qualidade técnica com uma trilha sonora perfeita e que faz parte do roteiro como um bônus, atrai o telespectador pela qualidade, mas o mantém pelo apego aos personagens. Não falta desenvolvimento de ninguém e em segundos nos pegamos torcendo fielmente para um personagem que tem apenas 5 falas em toda a série. Mas ali já virou parte de nós.
The Leftovers é sobre Kevin e Nora, é sobre a fé que precisamos ou tentamos manter todos os dias das nossas vidas, mesmo com todas as adversidades que pairam normalmente. É sobre acreditar que existe um lugar melhor, ou vários lugares melhores onde as pessoas estão. Mas The Leftovers é também sobre aceitar, sobre entender que as vezes na vida real nós não temos respostas e tudo bem. Perdemos pessoas que amamos e não houve a chance de perguntar o porque, e tudo bem. É sobre aceitar a vida como ela é, perdoar quem não pode ficar e entender que do outro lado também pode existir questionamentos sobre nós, que ficamos desse lado da cortina.
Em certos momentos a série parece ser maniqueísta, como se tentasse deixar claro que só existe o que é bom e o que é mal. Mas quando entendemos que a bondade ou a maldade vai depender da nossa interpretação sobre as coisas ao nosso redor e como isso nos afeta, percebemos que não existe um maniqueísmo ou uma dualidade. Tudo está aberto a várias possibilidades, só vai depender do nosso histórico de vida e das coisas que deixamos ou não de acreditar ao longo dela.
The Leftovers não responde todas as dúvidas e nem faz questão disso, a vida é uma bagunça as vezes e faz parte mesmo. Não importa muito pra onde foram as pessoas, a questão é quem ficou. E como superar e aceitar todas as perdas. Como superar que em um segundo seu marido e seus dois filhos simplesmente sumiram? Como aceitar que o seu bebê de seis meses que até um segundo atrás estava chorando no banco do carro agora simplesmente calou e desapareceu? Como aceitar que o feto, que estava a 4 meses morando na sua barriga, agora desaparecera e você nem mesmo pode conhecê-lo ou dizer adeus? Como agradecer o fato da sua família estar intacta, quando tantas outras agora estão despedaçadas? The Leftovers é sobre isso, sobre as tragédias da vida, sobre os desencontros e sobre os acasos. Mas é também sobre amor, sobre aceitar o que ficou e construir algo em cima disso, sobre aceitar a perda e continuar seguindo em frente com o que sobrou.
The Leftovers é uma obra prima de seriado televisivo, uma aula de roteiro, direção e construção de personagem. Mas acima de tudo The Leftovers é um tutorial de como superar uma perda e como seguir em frente quando quem amamos já partiu. The Leftovers é sobre nós, e não há prêmio ou estatueta que faça superar isso.
“Nós perdemos alguns deles, mas eles perderam todos de nós. “
Todos os episódios estão disponíveis no Hbo Go.
